quinta-feira, 20 de maio de 2010

Carta de uma portadora de Alzheimer a seu filho





Como é complicado escolher alguma coisa para falar do meu filho, eu não o reconheço mais !
Cada vez que cito seu nome, que olho para aquele rosto lindo, as impressões fabulosas que vi quando nasceu, não me recordo mais.


Hoje me sinto tão pequena... tão criança... ... hoje uma criança precisando de colo, uma criança querendo mais um carinho, mais uma proteção, mais um apoio, hoje digo palavras desconexas, ás vezes sou irriquieta, teimosa, me deprimo, agrido verbalmente por não saber exatamente o que acontece comigo, com a confusão que a doença de Alzheimer me atinge.


Recordo-me com dificuldades de raríssimas coisas, apenas de uns momentos que você filho era tratado por mim e hoje eu sou por você.


Embora sofra as amarguras da doença sei que não existe colo que proteja mais, palavras que abençoem melhor nem abraço mais carinhoso que recebo de você que renuncia muitas vezes á própria vida para me dar um remédio que ás vezes cuspo fora, você que me dá um coberto que eu teimo em não aceitar, você filho que me ensaboa , troca minhas fraldas , me leva ao banheiro, me perfuma, e eu confusa ainda gemendo, ás vezes gritando, não entendo que é uma forma de ser amada.


Como a doença me fez perder a lógica de eu ser a mãe, eu quem deveria cuidar, mas hoje sou cuidada e respeitada, embora não tenha mais noção do que seja ao menos tolerar.
Perdi minha razão, meus pensamentos ficam assombrados por fantasmas que eu insisto em acreditar.


Um dia os conselhos que dava á você meu filho era tão certeiro, e eu pensava que sabia o que era melhor para você e recordo que mesmo contrariado você acabava aceitando.


Eu era a primeira pessoa que você corria e contava os seus segredos, quando tudo dava errado eu o ouvia, algumas vezes ficava brava, outras eu orava silenciosamente por você.
Quantas vezes você chegava pertinho e mesmo sem uma palavra, sentia os seus problemas..
Eu amei, ensinei, errei, acertei, vi meu corpo se transformar ao aguardá-lo, me dediquei alegre e integralmente, nas suas fases de criança até á adolescência e á idade adulta, o que pesa é que eu agora: virei a criança.


Se tenho netos não me lembro, nem ao menos os reconheço, perdi na lembrança, até meu endereço, cidade em que nasci, país em que vivo, nomes dos entes que compunham minha família, nem sei nem mesmo quem é minha vizinha, meu irmão, se é que tenho algum,, desculpa meu filho mas nem seu nome eu me recordo.


Estes remédios que eu você me dá, ,ás orações que você me envia secretamente e com lágrimas nos olhos, esta sua dedicação que me vem tão desapercebida, tão distante,, tão confusamente, mas parece que são para mim, para você.


Agora me perdoe não sei como retribuir, por isto que ás vezes te irrito, estou revestida numa mente muito distante de mim, do que eu era, do que eu queria que fosse.
Hoje você se tornou meu pai, pai de sua própria mãe e dedica muitas horas de sua vida á minha .


São as propostas de Jesus em nossa vida, me perdoe por tudo, tudo passa, mas acredite nada é em vão e meu olhar embora perdido e minhas pupilas abandonadas , encontra o seu olhar firme, amado e abençoado.


Muito obrigado filho meu, Deus te conserve na palma de sua mão




by Rosana Nied

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